Entre o Chamado e o Campo

Por Eguinaldo Hélio de Souza.

 

 

Vários anos se passaram entre o momento no qual o apóstolo Paulo encontrou Jesus em Damasco e aquele no qual, juntamente com Barnabé, ele chegou a Chipre e depois foi a toda Ásia e Europa pregar o Evangelho. Esse intervalo não significava de modo nenhum atraso. Seu ministério só foi eficaz justamente devido a esse tempo de preparo.

Conta-se que Guilherme Carey, pai das missões modernas, enquanto trabalhava como auxiliar de sapateiro tinha um mapa da Índia à sua frente, e ficava imaginando como levaria o Evangelho àquele povo. Durante esse período ele estudava as diversas línguas daquele país. Não foi à toa que ele pode traduzir as Escrituras ou parte delas para trinta línguas indianas.

O mesmo se fala de David Livingstone, o grande apóstolo da África. A seu respeito lemos:

David iniciava o dia na tecelagem, às seis horas da manhã e, com intervalos para o café e o almoço, trabalhava até oito da noite. Segurava a sua gramática aberta na máquina de fiar algodão e, enquanto trabalhava, estudava-a linha por linha. Às oito horas da noite, dirigia-se, sem perder tempo, à escola noturna. Depois das aulas, estudava as lições para o dia seguinte, às vezes, até a meia-noite, quando a mãe tinha de obrigá-lo a apagar a luz e dormir.[1]

Ambos tinham convicção do seu chamado. Ambos sabiam exatamente qual era o seu campo missionário: Índia e África respectivamente. E acima de tudo, eles sabiam que jamais poderiam realizar essa tarefa sem o devido preparo. Só a certeza do chamado não bastava. Convicção sem preparo é ficção.

Não basta você ter chamado, você precisa ter preparo.

Procurando nos lugares certos

Mesmo não havendo em sua época instituições apropriadas para o treinamento de um missionário Carey e Livingstone foram capazes de perceber que não era seguro precipitar-se em um lugar sobre o qual nada sabiam. Seria negligência iniciar a grande tarefa de Deus para suas vidas sem estar preparados para ela. Autodidatas, eles fizeram seu próprio treinamento.

Hoje, centenas de anos depois, qualquer pessoa que tenha um chamado de Deus tem plenas possibilidades de receber treinamento adequado. Mesmo que esses homens tiveram êxito, não podemos esquecer que muitos outros fracassaram ou voltaram atrás porque não foram devidamente preparados para seu campo. Chamado sem preparo é sinônimo de fracasso.

Além disso, alguém pode ser chamado para o campo missionário e alimentar diversas dúvidas em seu coração. As incertezas também fazem parte da certeza de um chamado. Durante o treinamento, à medida que experiências, sentimentos e palavras são compartilhados, as dúvidas se dissipam. Isso é um fato. Uma das vantagens de se conhecer a história é que então não precisamos repeti-la. Claro que você aprende com seus erros, mas aprende também com os erros e acertos dos outros.

Alguns ingenuamente pensam que a certeza do chamado é a conclusão de tudo. Não. O chamado é apenas o começo de tudo. Começo que só vai prosseguir se for continuado com a busca pelos meios de cumprir a missão. O aprendizado da língua, da cultura, dos costumes. As estratégias adequadas e inadequadas. O que deu certo o que deu errado. Tudo isso faz parte do treinamento.

A consciência dos obstáculos, das possibilidades, dos perigos, das facilidades de uma determinada missão precisam ser aprendidos e analisados. Para isso existem instituições dedicadas a treinar os futuros missionários. Nessas instituições o vocacionado receberá toda a instrução necessária, sem precisar cometer os mesmos erros ou partir às cegas a um destino dado por Deus. Ninguém precisa reinventar a roda para ir ao campo missionário. Os fracassos e êxitos dos que o antecederam deixou para a Igreja um baú de informações e experiências que levarão você ao campo do modo mais seguro possível e permitirão a você produzir ali os devidos frutos. Por isso, todo escriba instruído acerca do Reino dos céus é semelhante a um pai de família que tira do seu tesouro coisas novas e velhas. (Mt 13.52). As agências missionárias e cursos de treinamento missionário são esse escriba bem instruído. Há muita coisa acerca do Reino para você aprender nelas antes de ir ao campo.

Recebendo treinamento

Quando você tem chance de ouvir pessoas experientes falando sobre a atividade missionária, então você sente o campo mais perto. Aquilo que é apenas uma semente plantada por Deus em seu coração já parece mais com uma árvore frondosa e frutífera. Já se torna palpável.

Por outro lado, o seu almejado destino se torna mais real, algumas vezes de forma mais assustadora. Esse encontro com a realidade é a sua primeira prova. A possibilidade de ir pode despertar em você o desejo de recuar e recusar o chamado. O desafio pode parecer maior do que as suas forças. Quando era só um chamado claro não havia porque temer. Com o campo diante de seus olhos você pode, como os espias de Canaã, achar que é pequeno demais para a tarefa. Você terá que vencer a si mesmo, antes de vencer o inimigo na terra para a qual foi chamado.

Preparar-se para o campo missionário é muito mais que uma preparação intelectual. Essa preparação inclui conhecimento, prática e muitas vezes mudança de atitudes tanto externas quanto internas. Deus mudará vidas através de você. Antes disso, porém, Ele precisa mudar você.

Indispensável

Não importa se o campo é longe ou perto. Não importa se a cultura é pouco ou muito diferente. A eficácia do nosso chamado depende muito de quanto nos preparamos para cumpri-lo. Deus tem pressa, mas essa pressa não significa descuido e descaso. Ela tem espaço para o treinamento e a busca pela capacitação.

Nada é tão difícil que você não possa realizar através do treinamento adequado. Nada é tão fácil que dispense o treinamento. Capacitação e treinamento fazem parte do chamado de Deus. Pular essa etapa é saltar sobre um abismo intransponível.

Foi chamado? Seu próximo passo não é para o campo. É para o treinamento. Não esqueça isso. Comece hoje o seu treinamento.

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[1] BOYER, Orlando. Heróis da Fé. Rio de Janeiro: CPAD, 1985

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