Por Eguinaldo Hélio de Souza
A minha alma te deseja muito, em uma terra seca e cansada onde não há água. (Salmo 63.1)
Moisés ficou 40 anos no deserto antes de ser chamado para libertar Israel. O próprio povo de Israel também peregrinou durante quarenta anos no deserto antes de entrar na posse da terra prometida. Davi, depois de ser ungido rei de Israel também teve que fugir para o deserto de Sur, apesar das muitas vitórias que havia gozado antes. Isaías permaneceu três anos no deserto. João Batista permaneceu no deserto até o tempo de apresentar-se a Israel. Jesus foi para o deserto antes de iniciar o seu ministério. É bem provável que quando Paulo se refere à Árabia, trata-se do deserto ali existente. O que há no deserto?
Nada. Por isso Deus tem a chance de ser tudo, chance que ele não tem quando estamos cercados de coisas e pessoas, de projetos e ideias, de palavras e correrias. As inúmeras distrações somem e sem assuntos urgentes e importantes para ocupar nossa mente, este espaço pode ser preenchido por Deus. O tempo parece correr mais lentamente e então podemos “acertar nossos passos com os de Deus”. Temos então tempo para um tratamento intensivo, para operações delicadas e profundas.
Onde não há comida abundante, Deus pode tornar-se o pão da vida. Onde há escassez de água, ele se torna a fonte da vida. A ausência de conforto e luxo torna Deus nosso único consolo. Sem ver ninguém, enxergamos apenas aquele “Alguém” que mais importa. Fracos, só podemos contar com Sua força. As vozes silenciam, as imagens cessam. Então se torna muito mais fácil ver e ouvir ao Eterno. “Enfada-me muitas vezes, ler e ouvir tantas coisas. Em ti está tudo quanto amo e preciso”, dizia Tomaz de Kempis. Em meio ao nada, ele se torna tudo para nós.
Raramente nos será possível um deserto físico. Por isso precisamos do deserto espiritual. É quando parece que tudo que amamos e nos apegamos de repente se encontra fora do nosso alcance. Nada nos satisfaz, nada nos alegra, nada nos consola. As pessoas parecem nos evitar, nos virar as costas, nos ignorar. Até Deus parece distante. “Onde está o Senhor, Deus de Elias?” disse Eliseu quando Elias subiu ao alto. Ele conhecia somente a Elias, que tinha um grande Deus. Agora que Elias lhe fora tirado, o Deus de Elias precisava se tornar o Deus de Eliseu. Não sabemos a origem da angústia. Não temos coragem de dizer nada. Tudo parece sem sentido.
Esta situação, aparentemente calamitosa, nos põe de joelhos. Enquanto outros dormem, somos tomados pela insônia. Ninguém parece notar ou se importar. Fechamos nossos olhos e clamamos, abrimos a Palavra e a corremos em busca de uma explicação ou de uma direção que nem sempre vem. Nem sempre existem estradas no deserto. Tudo parece sempre igual. Isto porque ainda não é hora de sairmos dali. Precisamos estar ali. Não precisamos que Deus nos dê nada, precisamos que Ele seja tudo.
Os desertos passam. Passam mas voltam. Podemos não gostar deles, mas precisamos dele. Muito mais neste era agitada, onde quase nos sufocamos na profunda e forte correnteza de informações e ideias. Precisamos da poda do deserto, da solidão do ermo, do vazio existencial onde seremos cheios do sentido celeste. Quando formos levados, como João, em espírito ao deserto, não temamos, pois de lá sairemos fortalecidos e renovados. Como João, sairemos para profetizar e narrar as visões de Deus.