Não Quero Ser Líder

Por Eguinaldo Hélio de Souza

 

Senhor, não quero ser líder, não quero estar à frente. Não quero superiores dizendo o que devo fazer. Não gosto de receber ordens, repreensões, cobranças. Enfada-me obedecer pessoas que muitas vezes me dão ordens incoerentes, inconsistentes, das quais discordo plenamente ou em parte. Dói-me obedecer regras que não criei e seguir diretrizes que não  tracei. Quero ser livre em minhas escolhas, completamente livre, sem restrições, limitações, proibições. Mais fácil é sentar-me em meu banco e cobrar de outros os resultados e frutos.

Não quero conduzir pessoas, que nem sempre são mansas como ovelhas, mas geralmente indócis como cabras selvagens. Não quero estar na frente, pois serei criticado por cada falha e esquecido em cada sucesso. Pesarão todas as minhas palavras e julgarão todos os meus atos. Viverei sempre no tribunal do povo, sentado ao banco dos réus. Terei expectativas que não serão atendidas e estabelecerei metas que não me ajudarão a concluir. Todos lançarão sobre mim suas muitas e grandes expectativas e quanto eu não atendê-los se frustrarão comigo e me condenarão. Terei de assumir tarefas que não são minhas e resolver problemas que não criei. Além dos meus já muito e pesados fardos, acrescentarei outros infinitos que não me pertencem.

Por tudo isto, meu Deus, minha carne me ordena a dizer “não” ao teu chamado, ou pelo menos ignorá-lo como se não fosse para mim. Meu enganoso coração diz que não posso, que não consigo, que é difícil e impossível, que não tenho tempo, nem recursos. Diz-me que vou falhar, que vou cair, que vou parar. Olho para o lado e procuro irmãos que são mais aptos e qualificados. Olho para frente e penso que talvez algum dia, mas não hoje….

Todavia, algo em mim não cala… Há uma voz, às vezes suave e às vezes firme, que me mostra algo diferente, o outro lado da questão…

Vejo pessoas sem direção como ovelhas sem pastor. E elas seguem para abismos escuros e espinhentos, mas não há quem as conduza a caminhos seguros. Ovelhas que rapidamente mudariam seus rumos se ouvissem alguma voz, mas não há quem grite. Vejo vidas errando sem luz, caindo sem apoio e chorando sem qualquer consolo. Estão doentes e não há quem as cure, perdidas sem que ninguém as busque. Estão famintas e sedentas, de pão e água também, mas de algo mais. Quão grande é a seara! Quão poucos são os ceifeiros!

E tu tocaste com teu fogo meus lábios, ungiste minhas mãos com teu óleo, acendeste em meu coração tua chama, deste-me teus dons e chamado. Encheste-me de tua glória a ponto de Transbordar. Deste-me teu poder e, poder, eu bem sei, é responsabilidade. Não posso negar o que sou e o que tenho em Ti. Não posso calar como quem não te ouve, nem me acomodar como quem não viu tua glória. Não posso enterrar o talento, nem deixar no fundo das águas o machado que tu me emprestaste. Pecarei se não fizer o bem que posso.

Portanto, ó Soberano Senhor, dos céus e da terra, já não posso conter teu fogo em mim, nem manter calada minha boca se meu coração está cheio de Tua Palavra. Não posso calar como os demais, nem dormir no fundo de um navio enquanto a tempestade assola e uma cidade inteira perece. Não posso receber tanto de teu Espírito e comer tanto de teu Pão e ao mesmo tempo permitir vidas oprimidas, vazias e famintas ao meu lado.  Não posso, Senhor, não posso. Não posso mais conter meu espírito e nem o Teu. Lágrimas vêm ao meu rosto, meu peito aperta por causa do teu chamado. Tua voz agora soa como trovão e tudo o que tenho e sou, dobra-se diante de ti neste instante. Por isso, olho para os céus, ergo ao teu trono minhas mãos e na mais profunda agonia grito:

 

EIS-ME AQUI SENHOR! ENVIA-ME A MIM!

NÃO SEJA FEITO O QUE EU QUERO, MAS O QUE TU QUERES!

 


 A Minha Alma te Segue de Perto

Por Eguinaldo Hélio de Souza

         

A minha alma Te segue de perto; a Tua destra me sustenta (Salmo 63.8)

Quando Davi escreveu essas palavras tão profundas, ele não estava em algum templo em Jerusalém cercado dos benefícios divinos. Ele não estava em um dos momentos mais tranquilos e bem sucedidos de sua vida. Estava no deserto.

Sua presença naquele deserto não foi uma escolha voluntária. Com certeza ele não queria estar ali e muito menos naquelas circunstâncias. Estava sendo perseguido pelo rei Saul sem que houvesse feito nada de errado. Era um inocente sofrendo injustiça, um servo fiel sendo perseguido como um criminoso. Fome, sede, más acomodações, incertezas, ansiedade e medos afligiam sua alma. Todavia, sua alma cantava. Cantava a Deus.

Você não precisa ter tudo o que quer e nem mesmo tudo o que precisa para se achegar a Deus. A alegria, certamente levará você a louvar e a engrandecer ao Senhor. No entanto, você não precisa de olhos secos para fazer isto. Como Davi, você pode se achegar a Deus na noite escura, nos dias tórridos, no deserto incerto, nas calamidades de vida.

Davi, o adorador do deserto, o apaixonado servo de Deus nas cavernas, o buscador do Senhor em meio às piores circunstâncias. Assim podemos ser nós também. Só precisamos ter um anseio contínuo e ininterrupto pelo nosso Deus. Ter a percepção de Sua realidade, de Sua presença, de Seu amor em todo o tempo e em todo lugar.

Nossa alma pode, nossa alma precisa e nossa alma verdadeiramente deve seguir ao Senhor de perto. Nossa proximidade com o Senhor não se mede em metros, não se avalia de acordo com nossa posição social, intelectual, econômica, eclesiástica. Nossa intimidade com o Deus vivo pode ser fortalecida no deserto ou em um palácio, na fartura ou na forme, no sucesso ou no fracasso. Mas ela só acontece quando a desejamos com todo o nosso coração, quando as circunstâncias da vida não têm mais nenhum poder sobre nós e nossa consciência de quem Deus é do que somos Nele, não depende de nada ou ninguém.

Então, quando nossa alma vencer todos os obstáculos internos e externos; quando estivermos próximos do Senhor nas circunstâncias e condições que Ele nos colocou, então veremos sua poderosa mão nos sustentar e nos levar para onde Ele deseja.

Achegai-vos a Deus e Ele se achegará a vós (Tiago 4.8)


 Não Perca o Seu Sabor

Por Eguinaldo Hélio de Souza

 

         

Vocês são o sal da terra. Mas se o sal perder o seu sabor, como restaurá-lo? Não servirá para nada, exceto para ser jogado fora e pisado pelos homens. (Mateus 5.13)

 

A.W. Tozer foi um grande profeta. Seus livros continham afirmações de uma profundidade incontestável que expunham as verdades bíblicas de uma forma sem igual. Jamais esqueci uma frase sua. Que a primeira missão da Igreja não é pregar o Evangelho, e sim, ser digna de pregá-lo.

Em nossa ânsia de pregar o Evangelho a toda criatura, é fácil achar que só a mensagem importa. Mas o mensageiro também diz muito. Que pensaria de um bêbado ou viciado de qualquer espécie, dizendo a você que Jesus liberta? Um obeso lhe falando de uma dieta infalível? Ou Hitler pregando sobre amor ao próximo? Mensageiro e mensagem devem estar no mesmo nível. “Que fazes tu em recitar os meus estatutos, e em tomar a minha aliança na tua boca? Visto que odeias a correção, e lanças as minhas palavras para detrás de ti. Quando vês o ladrão, consentes com ele, e tens a tua parte com adúlteros. Soltas a tua boca para o mal, e a tua língua compõe o engano.  Assentas-te a falar contra teu irmão; falas mal contra o filho de tua mãe. Estas coisas tens feito, e eu me calei; pensavas que era tal como tu, mas eu te argüirei, e as porei por ordem diante dos teus olhos” (Sl 50.16-21)

De nada adianta tentar matar a sede da humanidade com um belo cântaro vazio. Embalagens não nutrem e sim o conteúdo. A maior pregação ainda é o pregador, ou como diria Marshall MacLuhan, grande teórico da comunicação, “o meio é a mensagem”. Não só “o que”, mas “quem está falando” é importante. Antes de ouvir o Evangelho, as pessoas precisam vê-lo. Vê-lo em você e em mim. Só então ele terá efeito.

Quem pensa que farisaísmo foi um movimento judaico dos tempos de Cristo, se engana. Farisaísmo é um comportamento religioso muito freqüente em qualquer lugar e tempo. De repente passamos a enfatizar e divulgar uma mensagem que não vivemos e a elogiar um comportamento que nada tem a ver com o nosso. É fácil se tornar um fariseu. Basta nos gloriarmos da doutrina que temos nas mãos, sem levar em conta que não a temos no coração, tê-la na boca, mas não no espírito. Falamos dela e a descrevemos com grande destreza, mas a vivemos muito pouco em nosso dia a dia. Temos aparência sem essência.

Fico pensando em antigas denominações, que publicam suas histórias, apenas para testemunhar que são apenas sombras do que foram dia. Do belo e doce fruto que um dia foram, só resta uma casca oca. Ainda são sal, mas sem sabor. Luz que não ilumina e fogo que não esquenta. Tornaram-se um paradoxo de si mesmo. Deus nos repreenda e nos livre, não apenas de sermos amargos, azedos ou insalubres, mas também de sermos insossos.


 A Bêncão de Suportar

Por Eguinaldo Hélio de Souza

 

Esperei com paciência no Senhor… (Salmo 40.1)

Uma das orações mais famosas do mundo é a Oração da Serenidade, criada por Reinhold Niebuhr. Ela diz:

Deus, conceda-me a serenidade

Para aceitar aquilo que não posso mudar,

A coragem para mudar o que me for possível

E a sabedoria para saber discernir entre as duas.

Ao longo da vida, muito teremos de simplesmente suportar. Situações, pessoas, sentimentos, demoras. Algumas promessas de Deus exigirão anos para se tornar realidade como foi com José. Certas pessoas estarão ao nosso lado por muito tempo, cujos defeitos não conseguiremos mudar e teremos definitivamente de aguentar. Sofreremos limitações de toda espécie, sendo que algumas conseguiremos mudar e outras, porém, só nos restará suportar.

Boa parte de nossas vitórias serão resultado da nossa capacidade de sofrer, de esperar, de tolerar. O momento certo só pode chegar para quem suporta a demora. “Minha hora ainda não chegou”, disse Jesus. Ele tinha já em si toda potência para realizar a obra para a qual fora chamado, mas seu discernimento sabia que deveria aguardar o lugar e a hora certa..

“Na vossa paciência ganhareis as vossas almas”, disse Jesus. (Lucas 21.19). “Mais vale o homem que domina o seu espírito do que o que conquista uma cidade” disse Salomão (Provérbios 16.32). Nossa carreira cristã estará repleta de momentos nos quais nossa melhor ação será calar e esperar.

José, Ruth, Davi e Jó foram pessoas que entenderam a bênção de suportar certas situações, mesmo desconhecendo quando mudariam. Os quarenta anos de Moisés cuidando dos rebanhos de seu sogro não foram anos perdidos. Foram anos nos quais sua capacidade de suportar foi provada e treinada ao extremo. Ele venceu a monotonia do tempo e do espaço e tornou-se apto para guiar um pesado povo pelo deserto por mais quarenta anos.

Fugir, jogar tudo para o alto, explodir, desistir, fazer as coisas do nosso jeito – são atitudes daqueles que não aprenderam a suportar.

Resistir no Senhor, pelo Senhor e para o Senhor. Eis o desafio de Deus para alguns períodos e situações de nossa vida. A paciência de hoje produzirá os frutos do amanhã.


 No Deserto

Por Eguinaldo Hélio de Souza

 

         

A minha alma te deseja muito, em uma terra seca e cansada onde não há água. (Salmo 63.1)

 

Moisés ficou 40 anos no deserto antes de ser chamado para libertar Israel. O próprio povo de Israel também peregrinou durante quarenta anos no deserto antes de entrar na posse da terra prometida. Davi, depois de ser ungido rei de Israel também teve que fugir para o deserto de Sur, apesar das muitas vitórias que havia gozado antes. Isaías permaneceu três anos no deserto. João Batista permaneceu no deserto até o tempo de apresentar-se a Israel. Jesus foi para o deserto antes de iniciar o seu ministério. É bem provável que quando Paulo se refere à Árabia, trata-se do deserto ali existente. O que há no deserto?

Nada. Por isso Deus tem a chance de ser tudo, chance que ele não tem quando estamos cercados de coisas e pessoas, de projetos e ideias, de palavras e correrias. As inúmeras distrações somem e sem assuntos urgentes e importantes para ocupar nossa mente, este espaço pode ser preenchido por Deus. O tempo parece correr mais lentamente e então podemos “acertar nossos passos com os de Deus”. Temos então tempo para um tratamento intensivo, para operações delicadas e profundas.

Onde não há comida abundante, Deus pode tornar-se o pão da vida. Onde há escassez de água, ele se torna a fonte da vida. A ausência de conforto e luxo torna Deus nosso único consolo. Sem ver ninguém, enxergamos apenas aquele “Alguém” que mais importa. Fracos, só podemos contar com Sua força. As vozes silenciam, as imagens cessam. Então se torna muito mais fácil ver e ouvir ao Eterno. “Enfada-me muitas vezes, ler e ouvir tantas coisas. Em ti está tudo quanto amo e preciso”, dizia Tomaz de Kempis. Em meio ao nada, ele se torna tudo para nós.

Raramente nos será possível um deserto físico. Por isso precisamos do deserto espiritual. É quando parece que tudo que amamos e nos apegamos de repente se encontra fora do nosso alcance. Nada nos satisfaz, nada nos alegra, nada nos consola. As pessoas parecem nos evitar, nos virar as costas, nos ignorar. Até Deus parece distante. “Onde está o Senhor, Deus de Elias?” disse Eliseu quando Elias subiu ao alto. Ele conhecia somente a Elias, que tinha um grande Deus. Agora que Elias lhe fora tirado, o Deus de Elias precisava se tornar o Deus de Eliseu. Não sabemos a origem da angústia. Não temos coragem de dizer nada. Tudo parece sem sentido.

Esta situação, aparentemente calamitosa, nos põe de joelhos. Enquanto outros dormem, somos tomados pela insônia. Ninguém parece notar ou se importar. Fechamos nossos olhos e clamamos, abrimos a Palavra e a corremos em busca de uma explicação ou de uma direção que nem sempre vem. Nem sempre existem estradas no deserto. Tudo parece sempre igual. Isto porque ainda não é hora de sairmos dali. Precisamos estar ali. Não precisamos que Deus nos dê nada, precisamos que Ele seja tudo.

Os desertos passam. Passam mas voltam. Podemos não gostar deles, mas precisamos dele. Muito mais neste era agitada, onde quase nos sufocamos na profunda e forte correnteza de informações e ideias. Precisamos da poda do deserto, da solidão do ermo, do vazio existencial onde seremos cheios do sentido celeste. Quando formos levados, como João, em espírito ao deserto, não temamos, pois de lá sairemos fortalecidos e renovados. Como João, sairemos para profetizar e narrar as visões de Deus.